A necessidade de ser ouvido e apresentar para a comunidade iguaçuense a sua verdade, motivou a criação do informativo Cidade Nova Informa(CNI). Uma iniciativa de um grupo de moradores que buscou impulsionar o crescimento do bairro e fazê-lo existir entre os planos de políticas públicas da cidade. Por meio das pessoas que faziam parte do CNI, um novo sonho começou a criar forma: a Biblioteca Comunitária do Cidade Nova. Com a implantação da instituição no bairro, é possível ver a mudança e a importância da educação para o desenvolvimento de uma sociedade. Para falar sobre as conquistas que começaram em 2011, a Revista 100 Fronteiras conversou com a segunda secretária do CNI, Maria Elza Mendes, que assim como todos os 40 voluntários, tem orgulho de fazer parte da iniciativa. Na entrevista ela falou sobre as dificuldades, superações, carências e o amor pelo bairro. 

Cidade Nova – 1998


A criação do bairro Cidade Nova começou a ser programada na década de 90, quando o governo municipal decidiu remover a população que ocupava as regiões centrais da cidade, conhecida como “corredor turístico”. A necessidade partia do objetivo de iniciarem-se obras de revitalização do perímetro urbano e atrativos turísticos. Entre as iniciativas, estava o projeto da Avenida Beira Rio, com planos de ser construída às margens do Rio Paraná. Porém, o espaço era ocupado pela comunidade do Monsenhor Guilherme, então, como forma de atender aos problemas habitacionais da cidade, foi criada a Companhia de Habitação de Foz do Iguaçu (COHAFOZ). A partir daí, diversos encontros aconteceram para se discutir e achar uma alternativa que reposicionasse as famílias que viviam no espaço, onde seria iniciada a obra da avenida.

Criou-se, então, o loteamento Cidade Nova, a ser desenvolvido na região norte do município. Dois milhões de metros quadrados foram destinados para o desenvolvimento do novo projeto, que, na época, foi considerado o maior projeto habitacional em execução do Estado do Paraná, porém, ele não foi executado da maneira indicada. O projeto previa a construção de uma área de desenvolvimento vertical, onde prédios seriam construídos, mas a ideia não saiu do papel.

Em janeiro de 1998, teve início a obra de construção da primeira etapa do loteamento, concluído em 1999, com, aproximadamente, 450 casas, quando os primeiros moradores começaram a chegar ao novo bairro que iria se desenvolver na cidade.

Cidade Nova na visão de Maria Elza Mendes – 2013

“O bairro Cidade Nova fica situado entre a Vila C e a Vila A, às margens do rio Almada. Um bairro com quase 10 mil moradores, tem pelo menos, entre 30 a 50 igrejas evangélicas e a Capela São Gabriel Arcanjo. Tem 600 crianças entre zero e cinco anos, fora da educação infantil, tem muitos jovens à margem das políticas públicas, pois elas não chegam para eles, tem um espaço de mais ou menos 50 metros quadrados, instituído e legalizado como Biblioteca Comunitária do Cidade Nova, que anseia muito por qualidade nas políticas públicas e por uma praça no entorno da biblioteca. Por muito esporte, cultura, lazer, cidadania para os moradores. Um bairro que, no início, era marginalizado, não só pela imprensa, mas também pelos próprios moradores. Porque quem mais me marginaliza sou eu mesmo, porque quando eu me imponho eu jamais vou permitir que alguém me discrimine. Hoje, isso já mudou muito e espero que continue mudando”.

Revista 100 Fronteiras – Como foram os primeiros passos para o desenvolvimento da Biblioteca Comunitária do Cidade Nova? 


Maria Elza Mendes – A ideia nunca foi a biblioteca. No início, o objetivo era desenvolver o informativo, Cidade Nova Informa, para cobrar política pública. As políticas públicas para o Cidade Nova chegam a passos de tartaruga e quando chegam elas vêm pela metade. Elas vêm, por exemplo, como forma de reaproveitamento de materiais e isso me deixa extremamente indignada. Porque eu não posso apresentar um projeto de três milhões de reais para um bairro, para solucionar um problema de gestão, de compromisso político e mandar os restos que foram tirados de outro espaço.

Revista – Esse tipo de situação acontece no bairro?

Elza – Aconteceu esses dias. Nós recebemos a apresentação de um projeto de um campo de futebol para o Cidade Nova. Um mega projeto, com pista de caminhada, academia a céu aberto, com espaço de cantina e de lazer, está lá e eu provo, a grama retirada de outro estádio de futebol, porque está sendo reformado para as seleções que estão em Foz do Iguaçu. Então o Cidade Nova merece receber restos, é isso?

Revista – Mas como a senhora sabe que o gramado veio desse estádio?

Elza – Porque foi dito: “ah, nós tiramos de lá, porque não tinha aonde colocar e colocamos aqui”. É isso que o Cidade Nova merece? É para isso que pagamos impostos? É para isso que elegemos os gestores? Que eleito é esse que comete um tipo de descaso com quem o ajudou a se eleger com mais de 90% dos votos do bairro? Se isso é o que o Cidade Nova merece, eu lamento, mas então a gente vai ter que brigar por emancipação política e social. Porque pior do que a corrupção política é a falta de emancipação social e cultural desse bairro.

Revista – Em relação à Biblioteca, como foi a inauguração do espaço?

Elza – Nós pegamos esse espaço em regime de comodato, por 10 anos, que agora são praticamente 8 anos e meio. Nesse período, organizamos muito, fizemos, por exemplo, uma festa junina. Três dias de festa junina não deu nenhuma confusão, nenhum problema, foi uma coisa de arrepiar. Nós assumimos isso daqui de uma forma muito gostosa. Dia 23 de setembro de 2012 foi a inauguração oficial, com os livros praticamente todos pelo chão com a visita de um rapper de Brasília, o Gog, que veio lançar o livro dele aqui. Passando tudo isso, em dezembro de 2012, teve o lançamento do livro da professora da UNILA Andreia Moassab, sobre o rap e as periferias. Para você ter uma ideia, aqui já foram lançados cinco livros. O Eduardo Marinho, veio do Rio de Janeiro porque ele nos encontrou pelo site e veio do Rio para cá para lançar o livro dele aqui dentro. O Sérgio Vaz, de São Paulo, da Cooperifa, lançou o livro dele aqui. O Dr. Aiex fez uma noite de autógrafos aqui dentro. Então, assim, esse trabalho é lento, é moroso, nós trabalhamos três anos praticamente na clandestinidade.

Revista – Como assim “praticamente na clandestinidade”?

Elza – Nós não tínhamos CNPJ, até que em novembro de 2013 conseguimos legalizar a instituição. Porque para montar um estatuto, um regimento interno e todas as normativas e diretrizes é complicado. Mas nós fizemos. O estatuto é totalmente apartidário. Nós não temos nenhum vínculo político aqui dentro. Se qualquer membro quiser ir para a questão política durante as campanhas, ele tem que se afastar 90 dias antes, 90 dias durante o período eleitoral e 90 dias depois. Isso está no regimento interno e no estatuto. Por quê? Quando nós cobramos política pública, nós não podemos nos envolver em política partidária. Não vou te dizer que não tem os seus filiados e não sei o que, mas a gente não traz a política partidária aqui para dentro. A nossa intenção é ver isso aqui com muita música. Nós já fizemos sarau de poesia, circo a céu aberto já fizemos pelo menos umas 10 vezes o ano passado e cinema a céu aberto. Nós não temos espaço, não temos cobertura, não temos nada. É tudo muito improvisado.

As políticas públicas continuam não chegando, mas a mudança de comportamento e cultura é o que nos importa. Porque política pública, você tem que saber e gostar de fazer. E mudança de cultura é com essa semente que está sendo plantada. É essa semente que começa a geminar. Daqui a 10 anos, eu tenho muita esperança que eu comece a ver os frutos de todo esse trabalho, de forma gostosa, a observar que nós não temos no Cidade Nova só as feridas e as mazelas, que nós temos competência, capacidade, que tem pessoas com capacidade de sair da mesmice.

Revista – Na biblioteca, quantos livros vocês possuem?

Elza – Temos mais ou menos 7 mil livros, tudo doação. Todas as prateleiras foram doadas, armário, bebedouro, tudo o que tem aqui dentro é doação.


Revista – Quantas pessoas moram no bairro Cidade Nova?

Elza – Aqui temos mais de 10 mil moradores. Na verdade, não temos essa estatística correta, porque assim, quem tem isso? É a unidade básica de saúde. Mas a unidade básica de saúde também não comporta a demanda do bairro. Nós recebemos, até pouco tempo, pelo menos mais umas 700 famílias no bairro Universitário. E não tem outra unidade básica de saúde para atender, quem atende é o Cidade Nova. A escola é uma calamidade, a unidade básica de saúde, só tem duas equipes de PSF. Até pelo número de moradores da região norte, nós necessitamos de um UPA, porque não adianta ter uma aqui no Três Bandeiras. Nós, moradores da região norte, para chegarmos até lá, se não estamos de carro ou não é um caso de muita urgência, nós não temos transporte que passe por lá. Nós temos duas linhas de ônibus, que passam, uma na Andradina, que vai para o Costa Cavalcanti e o centro e outra que vai para a Ponte. Região nordeste, nós não conseguimos chegar lá, porque nós não temos um interbairros passando por aqui. Então, ou a gente vai a pé, de moto-táxi, de carro, ou você fica duas horas para sair daqui, chegar ao terminal, pegar um ônibus e ir pra lá. Essa situação é grave. Um bairro com 15 anos, não recebeu uma manilha para a rede de esgoto e a gente paga 150 reais para esvaziar uma fossa e tem que solicitar o serviço de uma empresa do Jardim São Paulo ou do centro, porque na região não tem um operador desse serviço. Isso tudo são dificuldades que passamos. Então, é duro, é ruim. Mas nós, com essa biblioteca, pensamos, não em transformar o mundo, mas se eu conseguir mudar a cabeça de 5, 10 ou de 1 adolescente, um jovem, um adulto, eu já vou estar muito satisfeita. E a prova disso é que algumas crianças e adolescentes, que frequentam isso aqui, já passaram por todas as instituições dessa cidade, mas aqui na biblioteca comunitária do Cidade Nova, se ele chegar e não tiver uma cadeira vazia, ele pega um livro, deita no chão e vai ler. Para mim é o que mais importa nesse momento. Porque eu olho para ele e falo assim “cara, você é o meu espelho, porque você consegue crescer, você consegue sair disso”. Em um bate-papo com poetas e escritores eles poderem questionar o cara: “como é que você conseguiu chegar até aqui? É muito difícil fazer poesia? Quais são as dificuldades que você encontra quando está com a mochila nas costas, batendo de porta em porta para fazer o seu trabalho?”. Com isso ele vai se conscientizar de que o mundo não é só Foz do Iguaçu. O que eu sinto, não sou de Foz, estou aqui há 20 anos, o que eu sinto é que o morador daqui não tem oportunidades.

“Estamos rodeados de tantas maravilhas, mas o morador de Foz não tem acesso a esses espaços. Quantas pessoas daqui, nascidas e criadas em Foz do Iguaçu, no seu centenário, nunca foram às Cataratas, nunca foram à Itaipu? Por quê? Porque os espaços de lazer dessa cidade são para a elite, a periferia jamais verá.”

Revista – Por que acha que o morador não tem oportunidade?

Elza - Estamos rodeados de tantas maravilhas, mas o morador de Foz não tem acesso a esses espaços. Quantas pessoas daqui, nascidas e criadas em Foz do Iguaçu, no seu centenário, nunca foram às Cataratas, nunca foram à Itaipu? Por quê? Porque os espaços de lazer dessa cidade são para a elite, a periferia jamais verá. É difícil e me surpreende muito, quando uma revista do porte da 100 Fronteiras, chega para nós. Por quê? Porque nós temos uma visão de que é um espaço muito para a elite. É a elite quem domina, é a elite quem predomina. E nós, periferia, não estamos acostumados com isso. Nós não estamos acostumados a ser tratados como devemos e podemos ser tratados. Quando chega a imprensa até nós, ou ela vem porque alguém morreu, ou ela vem porque ela quer algum tipo de sensacionalismo. E isso é muito ruim. Porque não prejudica só a comunidade, mas a empresa também se prejudica, porque ela não cede espaço para as boas coisas que o município ou que o bairro tem.

Revista – Um dos objetivos na criação do informativo era o de, entre outros, mudar a visão das pessoas em relação ao Cidade Nova, você acha que isso foi conquistado?

Elza – Nós sofremos aqui, agora já é bem menos, mas durante um período, você não podia sair daqui para procurar um emprego. Tinha vaga, já estava quase 90% acertado que era sua, mas se falasse que morava no Cidade Nova pronto, a reposta era “ah, não tem vaga, vamos ver, depois nós te ligamos”. E o pessoal do Cidade Nova ficava na marginalidade mesmo, é a margem da margem. Então a gente tenta mudar isso. Estamos conseguindo muito lentamente, porque mudança de cultura e de comportamento não é da noite para o dia. É um processo lento, moroso, passos de formiguinha mesmo. Mas nós não temos pressa, eu vou morrer com 100 anos dizendo que tenho 15 e vendo a molecada que eu estou tentando formar em uma situação melhor que a minha.

Revista – A senhora acredita que depois da implantação da Biblioteca Comunitária muita coisa mudou no bairro?

Elza – A cultura das crianças e adolescentes já melhorou bastante. E muitos adultos também, porque muitos ficavam no final de semana, dentro da sua casa, assistindo televisão, nesse calor de Foz do Iguaçu, por falta do que fazer. Por não ter possibilidade de sair. E é muito gostoso quando a gente passa avisando o pessoal, por exemplo, que tem noite de cinema ou circo, e eles descem com as suas cadeiras na mão – porque nós não temos cadeiras para todo mundo – e vem pra cá para se divertir, dar risada. Isso é muito gostoso, então há uma mudança de comportamento sim, não digo de cultura, mas de comportamento sim.

Revista – Então, pelo que você diz, os momento de lazer que acontecem no bairro são proporcionados por vocês, eles não vêm de fora, é isso?

Elza – Não, não vem de fora. A gente firma algumas parcerias, porque alguns pontos de cultura até recebem algum dinheiro do Ministério da Cultura para fazer cultura de periferia. E nós somos espaço de cultura, apesar de não estarmos reconhecidos no papel, mas pra mim, quando passo a ser procurada como ponto de cultura é sinal de que eu tenho reconhecimento. A UNILA, por exemplo, é uma instituição federal que tem uma responsabilidade social comunitária. Então, isso está nos proporcionando ampliar nossas atividades, porque nós sozinhos não teríamos pernas, porque sem financiamento ninguém anda. Sem dinheiro nós não andamos. Além disso, nós precisamos de doação de livros e do tempo das pessoas, pois sem isso o CNI não sobrevive. Nós pagamos a internet, nós compramos material para os cursos de espanhol, para os cursos de artesanato.

Revista – A Biblioteca também atende o público oferecendo cursos?

Elza – Sim. No ano passado eram 23 crianças no curso de espanhol a partir dos contos infantis. Aí cada criança recebeu uma apostilinha com os contos infantis em espanhol e português, essa foi uma parceria com a UNILA. Também estamos fazendo um documentário com a história do Cidade Nova. Provavelmente em fevereiro ou março vai ficar pronto. A produção está sendo feita pelos alunos de cinema da UNILA, que vem pra cá para desenvolver junto com a gente essa atividade. Além disso, tem o curso de violão, são 58 jovens. Essa é iniciativa do próprio CNI, porque tem alguns membros que tocam violão e decidiram implantar essa oficina. A ideia é, quem sabe daqui a 10 anos, toda essa molecada possa montar uma orquestra de violão. Trabalhamos muito de improviso, porque nós não temos financiamento para nos organizarmos para as atividades. Nós sabemos, o carnaval cultural é uma pauta de início de ano, a festa junina é outra atividade e a festa do dia das crianças e o aniversário do CNI também são eventos pontuais. Isso a gente tem em mente, mas de que jeito nós vamos fazer? O futuro a Deus pertence. Mas que vai sair, vai.

Para você ter uma ideia, no ano passado nós chegamos a fazer oito saraus, só de improviso. Chegaram a começar às seis horas da tarde de baixo de chuva e terminar à uma hora da manhã, tínhamos poesia e música.

Revista – Os leitores que querem ajudar, também podem fazer doações para o espaço?

Elza – Sim. Mas no momento não estamos recebendo livro pedagógico. Por quê? Com a mudança ortográfica, os livros, com mais de cinco anos perderam totalmente a validade. Mas o mais importante se alguém quer doar, é o seu tempo. É o seu modo de agir que diz quem você é. O mais importante para nós, da biblioteca comunitária, em nome dos 40 membros que somos, é que a as pessoas se conscientizem que é a necessidade que faz a ocasião, ou deixa ele cidadão ou deixa ele ladrão. Isso é muito certo, foi a nossa necessidade por mudança de comportamento e cultura que nos trouxe até aqui. E esse anseio não diminuiu, pelo contrário, ele só amplia. Porque cada vez que você conquista alguma coisa, você quer o quê? Melhorar cada vez mais. Agora estamos montando um grupo de artesanato, eu sou artesã, e estamos tentando montar um grupo para ver até onde conseguimos chegar. Porque muitas pessoas sobrevivem do artesanato, então é necessário que a gente fortaleça esse trabalho e mostre para o município de Foz do Iguaçu e quem mais quiser saber, que o Cidade Nova tem muito a oferecer. Basta as pessoas observarem.

Revista – É verdade que as pessoas tinham vergonha de falar que moravam aqui? E hoje você acredita que esse tipo de situação mudou?

Elza – É verdade, mas mudou muito. Porque, por mais que as políticas públicas não cheguem, a comunidade está fazendo por si. Não estou falando só da Biblioteca Comunitária, estou falando da rede de comércio que aumentou, estou falando da qualidade de vida. Quando eu mudei para cá, estranhei muito. Não tinha um lugar para comer um pastel, não tinha um mercadinho que prestasse para comprar o básico para a sua casa. Hoje não, hoje nós temos, lanchonetes, pastelarias, padaria ainda nos falta uma boa, nos falta uma casa lotérica, mas temos uma farmácia. Faltam muitas coisas, mas essas coisas, a qualquer momento, acredito que um empresário vai observar que o Cidade Nova também existe, porque os políticos não nos enxergam.

Revista – Você sairia do Cidade Nova para morar em outro bairro de Foz do Iguaçu?

Elza – Não mudaria de bairro, porque eu sou uma cidadã moradora do bairro Cidade Nova. Eu aprendi que quem faz o meu bairro, sou eu. Quem faz o local onde eu moro, sou eu. Vamos criar uma hipótese muito remota, porque eu não jogo, mas vamos dizer que eu ganhe na mega-sena. Eu não mudaria daqui, já estou familiarizada, ando na rua, de dia, de noite, de madrugada. Eu me sinto em família.

Revista – Quanto ao centenário da cidade, o que a senhora pensa?

ElzaEu me pergunto: o que fizemos em 100 anos?

“É difícil e me surpreende muito, quando uma revista do porte da 100 Fronteiras, chega para nós. Por quê? Porque nós temos uma visão de que é um espaço muito para a elite. É a elite quem domina, é a elite quem predomina. E nós, periferia, não estamos acostumados com isso".

Revista – Qual é a resposta?


Elza – Pouco ou quase nada, essa é a reposta. Uma cidade com 100 anos não teria que ter tantas favelas como tem, não teria que ter uma população encarcerada tão grande, ela não teria que ter tantas crianças e adolescentes batendo perna na rua dia e noite. Ter o índice de desemprego que a cidade tem, apesar de estar gerando emprego, e dizem que está, não é essa a minha percepção.

Revista – Ao olhar para o crescimento do projeto e a mudança que ele vem proporcionando aos moradores do Cidade Nova, o que a senhora sente?

ElzaAcho que nada que eu diga vai ser suficiente para demonstrar o encantamento e a felicidade que é estar inserida em uma instituição como a nossa. Que anda com as próprias pernas. Que não recebeu nenhum apoio de dinheiro público e consegue ultrapassar as barreiras da ignorância. Nada que eu diga vai ser suficiente, porque quando iniciamos o trabalho para legalizar a instituição, tínhamos muita angústia. Porque é um percurso muito árduo. O grande desafio do CNI é conseguir se manter de pé. Para o carnaval, independente de parceria ou não, nós vamos fazer uma atividade. Temos a ideia de fazer uma tarde do sorvete para angariar fundos para a manutenção de algumas coisas, e se alguém puder doar um pote de sorvete, a gente agradece. Porque vamos fazer uma atividade cultural com sarau, indo do gospel, ao rap, passando pelo funk, sertanejo, também com poesia, com dança, com a turma da capoeira. É uma tarde e noite cultural. Na instituição não temos nenhum tipo de preconceito, é proibido aqui dentro qualquer tipo de preconceito. Nós temos que respeitar cada indivíduo como ele é, posso não concordar com a opinião de alguém, alguém pode não concordar com a minha, mas preciso respeitar. É preciso ficar muito claro que temos grandes talentos em nosso bairro. Temos um estúdio de gravação de cd, temos muita coisa boa, compositor de rap, poeta, cantores, músicos, temos de tudo aqui. Por que não aproveitar isso?

Revista É possível dizer que existe um Cidade Nova antes e um depois da implantação do CNI?

Elza – Com certeza. Porque a comunidade não tinha para onde ir. Quando começam as atividades não precisamos nos matar, pois os moradores vêm. Porque quando eu não tenho para onde ir eu vou para qualquer lugar. Mas aqui não é qualquer lugar, é um espaço de acolhimento, de conhecimento e de discussão. E normalmente trazemos atividades voltadas para mexer com o brio e o conhecimento das pessoas, então isso faz a diferença. Quando não existia o CNI, não existia a discussão das dificuldades, das políticas públicas, hoje existe e isso já melhora.

Para você ter uma ideia, quase 500 crianças já passaram por aqui, já levaram e trouxeram livros, isso é mudança da comunidade.

Biblioteca Comunitária do Cidade Nova


Rua Elói Armando Nedel, n° 1332, Cidade Nova II – A Biblioteca está ao lado da Igreja São Gabriel Arcanjo. Normalmente o atendimento acontece das 11h às 13h30, porque existe o grande fluxo de crianças voltando da escola e depois, das 17h às 22h, para atender aos jovens que vão e voltam da escola e também os adultos que voltaram do trabalho.