Reizinho aprendeu a ler por malandragem. Na sua casa, quando um dos irmãos fazia bagunça, todos apanhavam. - Tá fazendo arte, menino. Apanha todo mundo pra aprender com o exemplo. Ele era muito novo para entender os trâmites das injustiças, mas já revoltava: - Mas, eu não fiz nada! E apanhava mais uma vez por retrucar a autoridade dos pais. Certa vez encontrou um gibi velho na rua e pôs-se a ler as figuras num cantinho da casa. Como todos os dias vividos pelas crianças, um dos irmãos fez bagunça, e num efeito dominó foi um a um caindo na chinelada. Quando sua mãe o viu concentrado na leitura, se sentiu desarmada e não deu a rotineira correção, para não interromper sua leitura. Reizinho fantasiou que pela literatura poderia deixar de apanhar na vida. Os moleques da vila nunca foram muito afeitos à leitura, gostavam mesmo é de futebol. Reizinho sempre foi um legítimo perna-de-pau e na hora da escolha para formar os times, nunca era chamado. Ficava na reserva e raramente entrava em campo. Quando chegou com um livrinho e sentou-se na lateral, um amigo, só para sacanear sua leitura, chamou-o para jogar. Depois desse dia só entrava em campo de livro em punho. Reizinho cresceu e começou a entender de outras injustiças, mas vez ou outra conseguia escapar da dura da polícia por estar carregando um livro. Percebeu que a polícia não entendia muito de armas. Dentro do ônibus, a menina dos seus olhos, conhecida como Princesinha, sempre sentava ao seu lado. De livro em mão, qualquer bobagem que ele falava soava inteligente. Num dia de muita chuva, ao descer do ônibus, sacou um livro da mochila, abriu ao meio e colocou sobre a cabeça dela, para protegê-la. O primeiro beijo do primeiro amor. E amor sem planejamento de vida, o primeiro filho não se demorou. Nasceu lindo, como nascem os filhos. Ele estava tão feliz como se tivesse concebido o próprio pequeno príncipe. Não se demorou e foi logo a Ciudad Del Este, para trabalhar passando mercadorias pela aduana. Percebeu que quando sentava no banco da frente da Van lendo seu livro, nunca era parado pelos fiscais. O primeiro presente que comprou pro filho foi um livro. Hoje quando Reizinho Junior faz arte, os pais não batem, eles aplaudem.
(12-10-2014 - Foz do Iguaçu PR) Curta a Pagina Canteiro de Obras - Poesias do Mano Zeu
Por Elizeu Pirocelli