Sempre que volto pra Foz escrevo um poema de retorno com o nome “Ainda Te Amo”...
Dos três últimos, dois deles narram a minha relação de amor e ódio com a cidade. Aquela velha contradição de receber desprezo e devolver amor... A terceira versão é de rompimento, uma canção de ódio, que também pode ser uma forma de amor... Odiar aquilo que te faz mal é amar o que te faz bem...
Segue abaixo o poema transformado em rap:
NÃO ME CHAME (pro seu centenário)
Não me chame não, não me chame
Não me chame não
Não me chame não, não me chame
Não me chame não,
Não me chame não
Para participar dessa festa
Dessa sua comemoração
Não me chame não,
Pra sentar na sua mesa
Pra provar do banquete da carnificina
Do seu drink de sangue da sua chacina
Não me chame não
Pois sou fruto da sua injustiça
Sou produto da sua segregação
Sou a face do caos em meio à beleza
Nesse poço de contradição
Sou a mancha no mapa, a cara a tapa
A vítima no chão
Estatística da violência
Dessa sua especulação
Sou o povo que nunca dormiu
Sou encosta, barranca de rio
Sou o povo sofrido, sou quem construiu
Fui o barro, o carro de mão, barrageiro
Fui obreiro nessa construção
Fui jogado, deixado de lado
Fui os sonhos rasgados
Sou saudade da terra, a pátria alagada
A memória que nadie apaga
Broto em sonhos e em pesadelos
Nossa sina, na cena, na saga
Nossa tribo resiste ao tempo
Nossos gritos, os ritos, os templos
Soy Hermano do lado de lá – ‘derassori chirá’
Soy memória Tupi Guarani, Kaiowá,
Caigangue, Xetá e Tupinambá
Os nativos expulsos da terra
Mas estamos pintados pra guerra
Não me chame pro seu centenário
Pra esse seu jantar sanguinário
Sou sertão, sou estância, oposto distancia
500 e tantos de resistência
Eu não vim de avião
Eu cheguei foi de navio negreiro
Faço parte de um povo guerreiro
Que foi sequestrado, foi escravizado, roubado
Sou favela, fui favelizado
Sou o que você nega, que esconde segrega
Que empurra pros cantos
Pra viver entre os ratos
O cadáver da remoção, que não teve outra opção
Que chega em bando com os contrabando
Comboio, desvio e contravenção
A muamba que tu fiscaliza
Aduana, cancela, baliza
Rodovia, BR, na contramão
Perseguindo nosso ganha pão
Não me chame não, não me chame
Não me chame não, não me chame
Não me chame não, não me chame
Não me chame não,
Lembro a ponte da inimizade
Do conflito, do atrito, do estado de sítio
Da barbárie não anunciada
Terrorismo de Estado, cilada
Do quartel general, da tortura
Da sua cúpula, sua ditadura
Somos sobreviventes
A lembrar nossos mortos
Nessa Foz cheia de sangue suga
Onde jorra o sangue
Onde rolam cabeças de gente inocente
Onde nasce os ninhos de serpente
Portanto
Não me chame, não me convide
Pois eu sou contraponto, eu sou o revide
Bumerangue que volta, a voz da revolta
Sem capanga ou jagunço, cheguei sem escolta
Hei!!! Capitão do mato,
não me inclua na pauta, na ata
Não me chame pra essa reunião
Pra sua urna, pra sua audiência
Sou sua negação, desobediência
Não preciso da sua rubrica
Sou matéria que o seu jornal não publica
Não sou público no seu espetáculo
Eu não paro no seu obstáculo
Sou quem quebra as regras, um fora da lei
Que não rende homenagens ao rei
Não me chame, não me inclua
Sou cultura de rua
Informal demais pra você
Não aceito mordaça, algema,
sou os braços que rema
Quem anda a pé, quem cultua a fé
Sou o V da vingança
Que não espera pela esperança, que age
O menino encima da laje
O dedo no gatilho, o rastilho de pólvora
Indigesto demais pro seu paladar
Sou aquele que vem pra cobrar
Não concordo com sua abordagem
Seu abuso, autoritarismo
Seu sorriso macabro, sinistro, o cinismo
Seu safári turismo
Não me chame não
Para participar dessa festa
Dessa sua comemoração
Não me chame não,
Pra sentar na sua mesa
Pra provar do banquete da carnificina
Do seu drink de sangue da sua chacina
Não me chame não
Sou a greve, a garra, a guerra, a trincheira, a fronteira, a selva de pedra
Tudo aquilo que você temia
O improvável, o impossível
Nosso centro é a periferia
O alimento não mais perecível
Somos sim o povão que trabalha
Que enriquece a sua família
Mas também sou quem vem pra cobrar
Pra fazer a nossa retomada
Pra brilhar numa nova alvorada
Somos filhos da revolução
Ouçam o som que vem dos tambores
As batidas que vem dos barracos
Balaiadas, canudos, farrapos
Dos malês, bantos, iorubas
Seu castelo foi feito de areia
E hoje somos as ondas do mar
Somos filhos de iemanjá
Somos filhos da revolução
Não me chame não...
Por Mano Zeu | CNI