Nem a chuva atrapalhou o milagre da poesia de acontecer nessa quinta feira no Cidade Nova. O local, Biblioteca Comunitária do CNI. O convidado especial, nada mais, nada menos que Sérgio Vaz, o poeta da Cooperifa, “o vira-lata da literatura”, como costuma se intitular. A atividade, um misto de oficina, bate papo e sarau, contou com a participação do Time da Poesia, formado pelas crianças do Cidade Nova, coordenado pela treinadora Alai Diniz, do projeto Panambi da UNILA. As crianças apresentaram o trenzinho da poesia com poemas de Vinicius de Moraes, além de revezarem-se no microfone para ler poemas de Sergio Vaz. “Fico muito feliz e emocionado de saber que a minha poesia chegou até aqui, a molecada tava falando minha poesia quando eu cheguei. E às vezes eu sou tão ingrato que acho que eles pensam que eu sou o Paulo Coelho, porque não é possível que seja eu essa pessoa”, brinca o poeta em sua fala de abertura.



Sergio conta a história da formação da Cooperifa (uma espécie de cooperativa de poetas da periferia) junto com Marco Pezão, as dificuldades e as estratégias de formação de público, como começou com um número bem pequeno de pessoas e hoje é um dos maiores saraus de poesia do Brasil que desenvolve diversas atividades. Além do Sarau semanal, organizam a Chuva de Livros, Natal com Livros, Poesia no Ar, Ajoelhaço, Cinema na Laje, e o mais novo projeto nas escolas Poesia Contra a Violência. A contrapartida para a escola que recebe a atividade é lotar um ônibus de alunos e levá-los para o Sarau da Cooperifa. “A gente tem uma biblioteca lá no Bar e as pessoas quando pegam os livros devolvem. E quando devolvem a gente xinga, porque é para circular, não é pra devolver. A gente fala, pô, não emprestou pra ninguém cara, você ta muito mole”.

Foi na idéia do “reclamar como sempre e agir como nunca” que se reunindo em bares para tomar cerveja e ler poesia tiveram a idéia de fazer algo para mudar a cara da sua comunidade. “A gente queria mudar ‘da’ quebrada e começou a querer mudar ‘a’ quebrada”, ressalta o poeta sobre esse sentimento de pertencimento a seu local de origem, numa época em que o sonho de muitas pessoas da favela é ficar rico e abandonar o quanto antes o lugar onde nasceu.

O poeta nos contou sobre sua iniciação como escritor e sua inspiração nas metáforas da música MPB de resistência e combate à ditadura que ele passou a entender melhor as entrelinhas na década de 80, quando estava prestando serviço militar. Conta também de seu encontro com uma poesia que muda sua forma de pensar, escrever e interferir no mundo, que é a poesia do rap. A primeira vez que ele ouve o nome da sua comunidade, sem ser nos programas policiais e sensacionalistas, foi na música Fim de Semana no Parque de Racionais MCs: “Fim de Semana no Parque Santo Antônio”. A partir da aproximação com a galera do Movimento Hip-Hop começa a escrever uma poesia mais próxima de seu povo, que fala das coisas do seu cotidiano, dos vizinhos, dos amigos, da dor e da alegria dos moradores da periferia.

“A gente vai em vários lugares, eu posso até falar do mundo, e quando você chega numa Biblioteca numa quebrada dessa, parece que você ta vendo as pirâmides do Egito. E parece que se você cavar vai encontrar ainda ouro guardado no lugar onde as pessoas queriam só o caixão”, disse o poeta em relação à Biblioteca do Cidade Nova.

Com certeza foi uma noite inesquecível para todos aqueles que participaram do evento. E que continue a chover poesias, amizades, sorrisos, abraços, e disposição pra luta para toda essa galera.