“Eu vou que vou, vou buscando minha glória, Cidade Nova, várias histórias”.
Foi com essa música que o grupo de rap de Campo Mourão, iniciou o show de lançamento de seu novo cd (Rajada NovaMente), na tarde do dia 31 de março. O grupo já esteve em Foz em diversas ocasiões e já se apresentou no Estádio do ABC, Gresfi, Vila A, Centro e Jd. São Paulo. Dessa vez o show foi na Biblioteca Comunitária CNI, no Cidade Nova, o mesmo nome do bairro onde vive um dos integrantes do grupo, Mc Careca.
O cd NovaMente é um álbum duplo, o terceiro lançado pelo grupo em 15 anos de correria. Com 14 faixas em cada cd, o RJD inova nas letras e reforça sua importante presença e participação no movimento Hip-Hop paranaense. Encima do cd podemos ler: Original Rap Nacional Paranaense e Rap Pé Vermelho, assumindo assim uma regionalidade e buscando uma afirmação e valorização da identidade do Rap feito no Paraná.
Outra Novidade no disco são duas faixas de poesia recitadas por Mc Careca e uma poesia impressa na embalagem do cd, escrita por Alberto, ativista, escritor e poeta do Rio de Janeiro. O encarte, além de fotos do grupo, traz dois textos de Emílio Gonzalez, professor iguaçuense que atualmente mora em Campo Mourão e gestiona na UTFPR o projeto UNI(di)VERSIDADE Cultural, uma das parcerias do evento.
A atividade contou com a participação dos grupos de rap de Foz do Iguaçu, Visão Eterna, Luto Decretado e Aliados da Periferia, uma roda de capoeira com a Associação Cordão de Pontas, que envolveu as crianças do bairro e a poesia que se propagou através do sarau rap, em parceria com o Projeto Panambi.
No dia seguinte, o grupo Rajada Mcs trocou uma idéia com a equipe do CNI, na sede da Biblioteca Comunitária (veja o vídeo). Leia abaixo trechos da entrevista com os integrantes Robinho, Neguinho e Mc Careca:
Sistema prisional:
O problema do sistema carcerário é que destrói a vida do cara, a família, todo mundo. Não é uma coisa que o cara errou, pagou e vai ser ressocializado. Não, você cai, meio dia ta os seus vizinhos almoçando e ta o programinha lá “mais um preso” e põe sua foto lá. Já queima você na sua quebrada. Jornal, tem um cara que tem uma empresa e todo dia ele lê jornal e vê, abre a página policial e olha a foto. Mesmo que você saia da tranca e fala, “vou ficar de boa, vou arrumar um trampo”. Você chega no trampo e o cara fala “aquele neguinho lá foi preso”, você já manchou, perdeu, entendeu, acabou. Ou o cara se afunda de vez mesmo, é difícil, o cara não tem opção de se reintegrar na sociedade igual falam. O cara cai, o cara sai pior.
Tem uma faixa do cd que é a introdução da música liberdade. Vários caras perguntaram pra mim se eu já tinha sido preso, por causa dessa musica. E na verdade é uma história fictícia. A metade da música eu canto como se eu tivesse preso e a outra metade eu narro. A primeira metade eu sou personagem e a outra metade eu sou narrador. Na hora que vai trocar de uma pra outra eu falo que a história de ficção e realidade se misturam, que a história do rap lembra os irmãos da rua. A introdução dessa música eu tirei de um documentário que chama Aqui Fora, porque é com as mulheres dos presos. E nesse documentário a idéia que passa é o seguinte, que a liberdade não tem preço. A gente não ta também passando a mão na cabeça, mas a gente acha que os caras são tipo vítimas também, caíram numa armadilha. Claro que há casos e casos, eu penso que muitas coisas é ostentação. Uma coisa é o cara se envolver porque o filho dele tem que comer, outra coisa é o cara se envolver pra andar com um correntão, uns carrão, isso aí não é necessidade, isso daí é vaidade. Então a gente quer contar uma história que ninguém conta. Essa musica ta no cd 1.
No cd 2 tem uma musica que conta a história do ex detento. É uma história também. A história de um cara que foi preso e saiu. Então ele tem que provar pras pessoas que o talento dele não é só pegar arma, planejar assalto, planejar seqüestro, mas ele pode usar o talento dele, a mente dele pra uma coisa positiva. Essa musica trabalha nessa parte de regeneração e tal, até no começo da musica eu falo que a pessoa tem a capacidade de se regenerar, mas se não for dada essa oportunidade aí fica difícil, né mano.
Educação.
Eu tava lendo um livro do Mandela que fala assim, lá na África na escola ele já via a ação do sistema ali. O sonho deles, das crianças africanas, o top deles era ser tipo assim, empregado, “eu vou estudar porque eu quero ser o motorista do cara branco. Eu vou estudar porque eu quero ser o porteiro do prédio”. Então eu trago isso pro Brasil, você chega numa escola pública hoje e chega na sala e pergunta o que você quer ser? “eu quero ser jogador de futebol”. Porque você quer ser jogador de futebol? “porque ganha dinheiro pá caraio, não faz quase nada”. E você vê um salário de um professor, ele trabalha três turnos mano. Ta trabalhando com um negócio que é fundamental.
Então esse negócio do Mandela trazendo pra realidade Brasil é isso mesmo, matam o negócio no berço, matam o sonho no berço. Não tem nenhuma criança que fala eu quero ser um advogado, eu quero ser um médico. Os sonhos são pequenos desde criança.
Vai muito da força de vontade de cada um. Tem um mano lá de Iporã, o Madruga, eu tava trocando idéia com ele. Ele ta fazendo faculdade e paga do bolso dele, paga a van, trabalha, chega toma banho come um pão, pega a van, esse corre. Ele faz Ação Social. Ele falando: “Pô mano, eu to aqui me esforçando, acordo cedo, eu trabalho, chego nem como nada direito, pego van, vou pra outra cidade e tal, chego lá os cara, o pai pagou a faculdade os cara fica no barzinho, o pai vai lá e paga o diploma”. E é esse cara que é o médico, o dentista, o advogado.
Rap e Mídia
A gente trabalha com as rádios que é de parceiro. O Kuruja que é um parceiro nosso tem um programa lá em Cianorte. Agora FM, televisão, a gente não tem nem pretensão de chegar nesses espaços, porque se for olhar o cd ali, não sei, é uma ou duas músicas que eles tocariam. Eu não, eu tocaria qualquer uma. É lógico que a gente vai começar ainda o esquema de divulgar, mas não é um publico que a gente queira atingir. Então tem os parceiros, tem o mano Hood que tem o programa lá em Guarapuava, vai chegar lá, ele vai divulgar, vai tocar, o povo liga e pede. Tipo assim, programas direcionado ao público Rap, entendeu.
A gente não tem nada contra, a gente iria de boa, contudo que não chegue e não queira mexer na nossa arte, entendeu. Acontece da gente chegar na televisão “ah, não dá pra tocar ao vivo”, falar pro DJ “faz um playback aí”, não, então a gente não toca. Não dá pra gente se encaixar no esquema deles. A gente quer chegar, quer mandar mensagem e que ter a liberdade de expressão mesmo, entendeu.
Agora a gente tem a internet que é um meio de comunicação forte, a gente posta na internet, tem musicas, tem vídeos, agora não tem como a gente aparecer num programa igual o do Gugu.
Por Elizeu Pirocelli, 2013.