Prof. Mestre Mauro Trevisan
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Resumo: O presente artigo objetiva investigar como os idosos no processo do envelhecimento encaram uma situação conflitante e se é possível encontrar sentido na mesma. Viktor Frankl destaca que mesmo em uma situação difícil é possível extrairmos elementos positivos que nos motivem a continuar vivendo. Aqui vale destacar o aspecto da resiliência, que é entendida como a capacidade do homem enfrentar as situações, de sobrepor-se e sair fortalecido pelas experiências adversas. A proposta é apresentar ainda que o processo do envelhecimento é apenas outra fase da vida do ser humano, diferente é claro pelas debilidades físicas e por vezes psíquicas que se apresentam, mas que ainda o ser idoso (velho), ainda vive e tem sentimentos, emoções e encontra sentido para sua vida a sua maneira. É preciso aprender com a lição das palavras e com a lição” do outro; abrir “o ouvido interno”, pois “escutar é obedecer a algo e se faz necessário no estudo e trabalho com os idosos.

Palavras-chave:gerontologia, senelidade, continuidade, vida, filosofia.


Abstract: This article aims to investigate how the aging process in elderly face a conflicting situation and that you can find meaning in it. Viktor Frankl points out that even in a difficult situation is possible to get positive elements that motivate us to continue living. Here it is noteworthy aspect of resilience, which is understood as the ability of man to face the situations of overlap and emerge strengthened by adverse experience. The proposal is to present even the aging process is just another phase of human life, than is clear from physical injuries and sometimes psychic present, but still being old (old), still alive and has feelings, emotions and finds meaning in life your way. We must learn the lesson of the words and the lesson "of the other; open" inner ear "for" listening to something is to obey and it is necessary to study and work with the elderly.

Keywords: gerontology, senelidade, continuity, life, philosophy.

Introdução

O presente artigo é resultado da dissertação de mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília, objetivou desenvolver o conceitos de sentido da vida destacando a importância da resiliência na velhice á luz da teoria de Viktor Frankl, como um meio para superar as dificuldades físicas e psíquicas que possam aparecer no processo do envelhecimento. O problema da pesquisa foi tentar compreender se há continuidade do sentido da vida na velhice e quais são os elementos que motivam os idosos a continuarem vivendo. Quanto à metodologia trata-se de uma pesquisa fenomenológica exploratória, descritiva, com coleta de dados prospectiva, utilizando a técnica de entrevista com abordagem metodológica quantitativa, aprovada pelo CEP-UCB, parecer 0214-2011. Firmou-se aí um compromisso de resguardar a identidade dos entrevistados, sendo que eles foram codificados da seguinte forma: HVF ou HVM, história de vida feminino e história de vida masculino.

A velhice é uma fase do ser humano que possui um caráter heterogêneo e idiossincrático, que pode ser caracterizado como fenômeno social, por apresenta-se de forma diferenciada em relação à região, à cultura, às condições de vida etc. O que não se pode afirmar, categoricamente, em se tratando do processo do envelhecimento, é que o mesmo seja igual para todas as pessoas e que exista uma data específica que marque o início da senelidade. Todavia, pode-se observar a existência de marcas do desgaste físico que servem de evidências do desgaste do tempo vivido.

Os valores que são atribuídos aos idosos estão de certa forma relacionados ao tempo e ao espaço vividos por eles, em cada período histórico, ainda que a sociedade atribua valores positivos ou negativos, tratando-os com preconceito e indiferença.

A idade é uma construção associada a fatores simbólicos vislumbrado de forma diferenciada em cada cultura. O envelhecimento é vivido de modo diferente entre homens e mulheres. O aumento da longevidade nas sociedades foi devido ao cuidado que as pessoas passaram a ter com sua saúde, o avanço da medicina e dos fármacos, que permitiu maior conscientização do cuidado com o corpo e fez com que as ciências sociais começassem a estudar mais profundamente a questão social relacionada com o envelhecimento.

Os valores culturais das famílias, na sociedade Ocidental, e suas ideologias possuem características diferentes, devido à formação cultural, educação recebida na infância e ao processo de amadurecimento pessoal, bem como a aceitação do fenômeno da velhice e da presença do velho na sociedade. As manifestações da velhice podem não ser percebidas, pois algumas pessoas não estão preparadas para lidar com as angústias e as mudanças que ocorrem em todas as idades.

O mal em nossa sociedade é que as pessoas não querem envelhecer e não se preparam para isso. É provável que a maioria da população nem tome consciência de que a cada dia que passa, ficamos mais velhos. Ora, o envelhecimento é um fato concreto, uma certeza que todos nós um dia ainda deveremos passar por este processo.

Resultados e Discussão

Sentido em viver mesmo passando por uma situação difícil.

Trecho das narrativas relacionadas a esse eixo.

HV1F“Eu acredito que mesmo em uma situação difícil que a gente possa passar ainda existe sentido na vida, porque eu acredito que não tenha uma pessoa velha como a minha idade que não sofra, dores, doença, mas eu pra mim a minha vida que eu vivo, o sentido pra mim é de não ter enfermidade nenhuma, sou muito feliz assim e se me verem um dia deitada é porque eu to me sentindo mal. A

alguns dias tive uma queda e pensei que não ia escapar mais, mas graças a Deus, ele me curou e não to sentindo mais nada. E acredito que mesmo em um momento de maior dificuldade a vida tem sentido.”

HV2M“Não consegui realizar tudo o que pretendia em minha, pois falto eu me casa que eu queria. Tive dois filhos no trecho ai e nunca mais vi eles.(...), eu tinha era saúde e ela acabou. Mas mesmo assim, a vida ainda nessa condição tem senti do. E, mesmo na velhice eu tenho encontrado sentido pra viver.”

HV3F“Não tenho nem assunto pra falar se a vida tem sentido, quando a gente tem problema, porque num acho nada importante. Só o fato de eu ter ficado fora do meu Estado isso já não é importante. Mas como a gente veio pra Ca, agora tai né. Agora eu sozinha agora vim pra essas distancia, tenho meus pais, irmãos tudo enterrado lá, e eu sozinha aqui.”

HV4M“Eu acredito que mesmo na dificuldade a vida vale a pena e tem sentido, porque eu não trabalho mais, mas graças a Deus não devo nada pra ninguém. Nessa fase que estou a situação está meio precária mas acredito que há sentido em continuar vivendo.”

HV5M“Nas piores condições que a gente possa estar, eu vejo que mesmo assim a vida tem sentido, porque a gente deve crê, muitas vezes naquilo que os olhos não veem. Eu, por exemplo, tenho uma necessidade muito grande de voltar a enxergar novamente. Eu me sinto muito contraído por não enxergar e depender dos outros, mas o que me motiva a continuar nessa situação é a FÉ.”

HV6F“Mesmo nas situações mais adversas eu encontro sentido em minha vida, em continuar andando, eu tenho vários problemas, de coluna, cardíaca, ate que um dia veio uma medica ai me medicou e melhorei um pouco, ainda tenho alguns problemas, tem dias que tenho dor até debaixo do pé, mas vale a pena viver porque eu acredito e confio a cada dia.”

HV7F“Mesmo nessa situação eu acredito que vale a pena viver, porque eu quero ficar boa.”

HV8M“Eu acredito que mesmo em situações difíceis, a vida tem sentido, o que dá esse sentido para mim é a religião. De uns tempos pra cá eu venho pensando e analisando que não é só eu que sofro, não é só eu que quero uma vida melhor, não é só eu que sou isso ou aquilo, então a gente precisa pensar nos outros também, eles podem estar na mesma situação que eu ou talvez em situação pior. E no entanto, não enxerga as coisas, da mesma forma que você , de tão egocentrismo, por dizer que esta mal, pior, mas isso todos passam. Nem tudo é como a gente pensa. Por exemplo, a gente pode estar sorrindo por fora, mas ninguém sabe o que se passa por dentro, do mesmo modo as vezes se fala, ele está chorando por causa disso! Isso não é problema se fala; pode não ser para a outra pessoa mas para mim pode ser, porque cada pessoa é única, e só quem sabe dos meus problemas sou eu. Cada um sabe da profundidade de seu problema.”

HV9F“usando a minha racionalidade e deixando de lado as feridas da alma, ainda temos que ter a convicção de que ainda há pessoas de grandes valores no mundo e assim pensando, a vida então vale a pena ser vivida. Afinal, nenhum homem se faz sozinho. Dependemos uns dos outros.”

HV10F“acredito, pois aprendemos a superar e a lapidar o espírito.” Fonte: dados da pesquisa
Foi possível perceber que os idosos entrevistados, mesmo nas piores situações que se possa imaginar, buscam forças e acreditam ainda que “a vida é maravilhosa” – fato que confirma a discussão de Frankl, que mesmo em uma situação crítica, é preciso extrair o sentido das coisas, sobretudo o aquilo que é bom. Assim, tem-se a apresentação do seguinte depoimento:

“Nas piores condições que a gente possa estar, eu vejo que mesmo assim a vida tem sentido, porque a gente deve crer, muitas vezes naquilo que os olhos não veem. Eu, por exemplo, tenho uma necessidade muito grande de voltar a enxergar novamente. Eu me sinto muito contrariado por não enxergar e depender dos outros, mas o que me motiva a continuar nessa situação é a fé” (HV5M).
O testemunho apresentado anteriormente evidencia que mesmo na ausência da visão, é possível continuar feliz com a vida. Infelizmente tal opinião não é compartilhada por outras pessoas, porque mesmo que tenham “tudo” ao seu alcance, não estão contentes com suas vidas por problemas que nem se comparam aos que foram constados na presente pesquisa.

A emoção do testemunho apresentado e a percepção que se tem do olhar dos idosos, permitindo que os sentimentos aflorarem (em suas dores e angústias), permitem-nos a escuta de suas idiossincrasias e virtudes. Conforme ressalta Paula Carvalho (1999, p. 32), “mediante uma ‘pedagogia da escuta’ [...] aprender com a lição das palavras e com a lição” do outro; precisarás abrir “o ouvido interno”, pois “escutar é obedecer a algo”.

Frankl (2008) também discute o aspecto do sofrimento, pois, inerente ao sofrimento, há uma conquista que permite alcançar uma conquista interior. A liberdade espiritual do ser humano – a qual não se lhe pode tirar – permite-lhe, até o último suspiro, configurar sua vida, de modo que tenha sentido. Pois não somente uma vida ativa tem sentido. Se é que a vida tem sentido, também o sofrimento necessariamente o terá.

“Cada um sabe da profundidade de seu problema.”(HV8M) 
As condições desfavoráveis não são limitadoras para que uma pessoa consiga transgredir de um estado para outro para a mudança de vida ou a superação de uma situação desfavorável.

A vontade do homem é despertada, devendo-se corresponder com tal ação: buscar, correr atrás, madrugar, pagar um preço – são ações que fazem parte do processo. Por meio da entrevista observou-se que mesmo na velhice os idosos manifestam elementos que dão significado a suas vidas, não é o fato de encontrar-se em uma situação difícil que acaba-se tudo, ou porque é uma pessoa com idade avançada que não tem mais sentido em continuar vivendo, ao contrário, em cada fase de nossas vidas os elementos que dão sentido a nossas vidas mudam de um período para o outro, na infância, adolescência, juventude, fase adulta e também na velhice os valores e elementos que motivam a continuidade do sentido da vida são outros.

Frankl nasceu em Viena (Áustria) em 26 de março de 1905, formou-se em medicina psiquiátrica e foi o fundador da Logoterapia. Faleceu em 2 de setembro de 1997, em sua cidade natal.

Desde cedo manteve contato com Freud, afastando-se mais tarde da corrente psicanalítica e seguindo a Psicologia Individual de Adler, escola que também acabou abandonando, para formar a sua própria escola. Em 1942, por ser judeu, foi preso pelos nazistas juntamente com sua família, passando quatro anos nos campos de concentração, onde teve seus pais mortos, bem como seus irmãos e a primeira esposa. Foi libertado em 1945. Lecionou “Neurologia e Psiquiatria” em Viena até os oitenta e cinco anos de idade, tendo recebido mais de vinte e nove doutorados honoris causa de diversas universidades do mundo, entre elas, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Frankl investigou e interpretou as possibilidades, equívocos e deficiências da Psicologia profunda – o que gerou a criação da Logoterapia, que representa uma crítica à postura freudiana, sendo o principal psicoterapeuta europeu a estudar a Psicopatologia e a sociedade à luz da abordagem fenomenológica.

Frankl baseou sua terapêutica na análise existencial, sob a nova perspectiva que visualiza, o paciente, o “doente”, sem ter a pretensão de libertá-lo dos tabus introjetados; mas de ajudá-lo a descobrir um “para que”, um “sentido para a sua liberdade”, ou seja, percorrendo o caminho proposto pela Logoterapia.

Além disso, ele vê a saúde psíquica por um ângulo diferente dos terapeutas psicologistas, reduzindo a influência dos condicionamentos biológicos, sociológicos, ou de caráter ou e de senso de responsabilidade como elementos da saúde psíquica, e o valor terapêutico implícito nas exigências do “dever” e dos “valores”.

Há outra consideração proeminente que deve ser apresentada: Frankl desvia-se do pansexualismo freudiano, salientando que o “prazer”, assim como o “poder”, não preenche o “vazio existencial” do indivíduo. Seu discurso é orientado no sentido de descortinar ao leitor a necessidade do papel do espírito na captação dos valores objetivos e na abertura para a transcendência, sem o que, qualquer proposta voltada para o equilíbrio psíquico, não passa de história de ficção.

Diante da apresentação do conceito de Logoterapia, é preciso destacar a Psicoterapia, a partir da dimensão espiritual humana, ou seja, do espírito.

Dentre os conceitos apresentados por Frankl, aparece a idéia de “vácuo” ou “vazio existencial”, que é um sentimento de ausência de sentido de vida; ou seja, um sentimento de “falta de uma missão vital especial”, ou de uma atividade através da qual se possa “prestar um contributo único e insubstituível” (FRANKL, 1986, p. 27).

Ainda o autor aborda que a falta de sentido da vida é a raiz do “vazio existencial”, típico do homem ocidental contemporâneo:

Uma vida baseada no êxito ou no prazer confunde os fins com os meios: põe o acento nos meios de subsistência e esquece as metas transcendentes. Conduz assim de frustração em frustração ao desequilíbrio psíquico, pois não é o sofrer que é insuportável, mas sim o viver sem um ideal. (FRANKL,1998, p.68)

Sua menção ao conceito de vida chama a atenção, pois tratar da questão da finitude na velhice poderia ser um problema, não só para esse período da vida, mas também para quaisquer idade ou indivíduo, que em geral não quer aceitar a morte e que luta para viver cada vez mais. Neste sentido, compreende-se melhor o seu pensamento, que mesmo próximo do fim, o ser humano luta para viver, para encontrar um sentido em sua vida. Percebe-se também que, mesmo aqueles que se consideram ateus ou descrentes, quando estão em uma situação conflitante, procuram encontrar algum sentido para o sofrimento, como uma reação humana frente a uma situação extrema.

De fato, tratar de morte ou finitude poderia ser um espanto, mas Frankl (1998, p. 68) ressalta que “[...] não é o sofrer que é insuportável, mas sim o viver sem um ideal”. A maioria dos seres humanos encara a morte como tristeza, angústia, dor ou “vazio existencial”. Mas na morte não há tristeza, porque o triste é viver uma vida toda sem tê-la vivido intensamente, sem perceber que o percurso todo da vida é cheio de sentido.

Retomar a teoria de Frankl é resgatar o sentido da vida e a aplicação dos seus princípios à velhice, no intuito de observar se os idosos conseguem perceber algum sentido em suas vidas. O próprio Frankl (2010), para ajudar seus pacientes a encontrar sentido para a vida, apoiava-se na dimensão espiritual e transcendente dos mesmos.

Acreditava na capacidade de transformação do homem, por isso, dedicou boa parcela de sua vida na tentativa de estudar e compreender a busca de sentido para a humanidade.

As experiências dos campos de concentração marcaram sua vida e sua sensibilidade aos sentimentos humanos. Seu sofrimento nos campos de concentração converteu-se em plena experiência, chamando o ocorrido de “logoterapia”, ou terapia através do sentido. Naquelas condições, não havia no horizonte uma perspectiva de liberdade humana, mas Frankl descobriu outro meio para vencer o(s) desafio(s) que se apresentava(m): a liberdade espiritual – que permite ao ser humano uma escolha frente ao sofrimento:

[...] A experiência da vida no campo de concentração mostrou-nos que a pessoa pode muito bem agir fora do esquema. Haveria suficientes exemplos, muitos deles heróicos, que demonstram ser possível superar a apatia e reprimir a irritação; e continua existindo, portanto, um resquício de liberdade do espírito humano, de atitude livre do seu eu frente ao meio ambiente, mesmo nessa situação de coação aparentemente absoluta, tanto exterior como interior. Quem dos que passaram pelo campo de concentração não saberia falar daquelas figuras humanas que caminhavam pela área de formatura dos prisioneiros, ou de barracão em barracão, dando aqui uma palavra de carinho, entregando ali a ultima lasca de pão! E mesmo que tenham sido poucos não deixou de constituir prova de que no campo de concentração se pode privar a pessoa de tudo, menos da liberdade ultima de assumir uma atitude alternativa frente às condições dadas. E havia uma alternativa! A cada dia, a cada hora no campo de concentração, havia milhares de oportunidades de concretizar esta decisão interior, uma decisão da pessoa contra ou a favor a sujeição aos poderes do ambiente que ameaçavam privá-la daquilo que é a sua característica mais intrínseca – sua liberdade – e que a induzem, com a renuncia à liberdade e à dignidade, a virar mero joguete e objeto das condições externas, deixando-se por elas cunhar um prisioneiro ‘típico” do campo de concentração.(FRANKL, 1992, p.66-7)

Estar em um campo de concentração exige certo desprendimento fora do comum, porque aí a condição de sobrevivência do ser humano é extrema. É preciso superar os medos, as dificuldades, a fome, ou seja, é preciso a todo instante ter um estímulo para viver. Acredita-se que todo esse caos fez com que Frankl firmasse ainda mais sua esperança.

A vida tem um sentido, mesmo que se viva num estado de sofrimento e angústia, porque tudo tem uma causa, nada é por acaso. De encontro a tal concepção de daemonia (teleológica), Aristóteles escreve:

Admite-se, geralmente, que toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer; e por isso foi dito, com muito acerto, que o bem é aquilo a que as coisas tendem. Mas observa-se entre os fins uma certa diferença: alguns são atividades, outros são produtos distintos das atividades que os produzem. Onde existem fins distintos das ações, são eles por natureza mais excelente do que estas.(ARISTÓTELES, 1973, p.5)

No pensamento aristotélico, a noção de felicidade está associada ao conceito de fim, finalidade, sentido, o qual é atingido ao lutar por aquilo que motiva o ser humano, chegar a este ideal feliz, não existe um único caminho, por vezes atingir o objetivo requer sofrimento, de modo que quando superamos qualquer ordem de sofrimento nos aproximamos da verdadeira essência acerca do sentido de nossa existência.

Conforme o pensamento aristotélico pode-se inferir que as idéias de Frankl vão ao encontro , no que tange a busca de sentido. Aristóteles aponta que toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer; o bem1 é aquilo a que todas as coisas tendem. Neste sentido Frankl (1998, p. 16) relata: “[...] deve-se partir do princípio de que o ser humano busca em todas as coisas – e, portanto também no trabalho – uma finalidade um sentido”. Para ele, o viver é uma experiência íntima única e pessoal, a qual implica escolhas e atitudes que são construções da subjetividade de cada um.

Cada situação vivida encerra em si uma pergunta. A singularidade de cada momento vivido, que só ocorre uma vez, traz consigo a ideia da unicidade da vida do indivíduo enquanto tarefa. Para Frankl (1986, p. 43), “cada ser humano particular constitui algo único, e cada situação na vida só ocorre uma vez. [...] Desta maneira, cada homem, em seus momentos específicos, só pode ter uma tarefa”. Radicalizando tal concepção, Frankl frisa mais adiante: “Mas, essa singularidade mesma constitui o caráter absoluto de seu dever”.

A “análise existencial” é uma expressão introduzida por Frankl em seu método de cura e pesquisa – antropológico e psicoterapêutico – inspirado no pensamento de Martin Heidegger (1889-1976), por ele desenvolvido na linha da Psicologia do Profundo. Tal método vem também indicado como logoterapia e como psicoterapia centrada no sentido.

Ao estudar a biografia do paciente, a “análise existencial” procura compreender a própria existência na sua plena humanidade, sob o perfil dos seus valores e significados potenciais. Uma vez que o problema do sentido da vida se apresenta claramente ou não, cumpre defini-lo como um problema caracteristicamente humano. Só o homem é capaz de experimentar a problematicidade do seu ser.

Para Frankl (1998), todo ser humano é motivado por sua vontade, ou seja, está em busca de um propósito. Da mesma forma que as pessoas lutam pelo sentido da vida, também pode ocorrer o contrário, ou seja, as pessoas podem se sentir frustradas na sua vontade de sentido, tendendo a refugiarem-se. Para muitos que dizem não ter encontrado o sentido, a vida pode se tornar um problema sério, uma fuga. No dizer frankliano (1998, p.23), “na falta de uma resposta para a sua vontade de sentido, o ser humano refugia-se na vontade de prazer”.

O termo “sentido” é amplo, complexo e abstrato, pois para qualquer coisa é possível a existência de algum sentido implícito, que precisa ser desvelado. Frankl (1998) destaca que o sentido de uma pessoa, de uma coisa ou situação, não pode ser dado, mas sim, encontrado por ela própria.

O sentido é algo objetivo, concreto, que não é possível injetar sentido nas coisas, e sim extrair delas, captar o sentido de cada uma das situações defrontadas pelo ser humano.

Uma vez assim caracterizado o sentido será denominado de universais – o que Frankl chama de valores passíveis de transmissão.

O sentido da vida pode estar relacionado à questão dos valores de criação, de vivência e de aceitação. Estes, por sua vez, imprimem que a vida tem sentido sempre – um sentido incondicionado até o nosso último momento.

De acordo com Frankl (1998), há sempre dois polos ou duas dimensões: realização/desespero e sucesso/fracasso. O sentido pode ser ainda extraído de situações extremas, que ocorre em determinados momentos de sucesso ou fracasso, onde a pessoa pode passar por uma mudança física ou psíquica.

Tal pensamento é de fácil compreensão, uma vez que se encontram inúmeros arquétipos, seja em uma situação extrema de desespero ou fracasso ou até mesmo em uma doença. A pessoa que se conscientiza de seu estado físico e psíquico, percebe que passou muito tempo sem parar para pensar ou não havia parado para perceber o que existe de bom em sua vida. Então, torna-se o estado doentio uma possibilidade para uma tomada de sentido, de percepção do sentido da vida.

Outra situação que pode ser totalmente oposta, com relação ao sucesso ou à realização, pode ser a conquista de um imóvel ou a conclusão de um curso, ou a ascensão profissional. Da mesma forma que se extrai o sentido da situação, embora em situações distintas, é possível extrair o sentido também desses fatos, não esquecendo que a singularidade de cada pessoa também conta, uma vez que nem todos conseguem extrair.

Para descobrir o sentido da própria existência, Frankl (1998) considerava três experiências fundamentais: o amor a alguém, o serviço a um ideal e a aceitação do sofrimento inevitável em nome de algo maior. A expressão de suas ideias nos ajuda a compreender a questão da continuidade do sentido da vida para os idosos. Com base nos três princípios apontados, a busca por sentido na velhice faz com que o idoso tenha alguém para amar; podendo continuar com um ideal realizado num ofício, não especificamente numa atividade laborativa em si, mas numa simples ocupação – nem que seja com amigos ou companheiros – a fim de distrair-se; e, passando pelo sofrimento em nome de algo maior.

Sentido e Resiliência em idosos


Resiliência é entendida como a capacidade do homem enfrentar as situações, de sobrepor-se e sair fortalecido pelas experiências adversas. A resiliência pode ser definida como uma adaptação positiva em resposta a determinada adversidade; superando-a, inclusive. Significa não apenas suportar uma situação adversa, mas comprometer-se em uma nova dinâmica de vida.

Com base na logoterapia de Sulzbach (2008), o conceito de resiliência é usado como fator protetor do psiquismo e de transformação dos comportamentos negativos em novas possibilidades. A resiliência faz a pessoa encontrar motivos que favoreçam a descoberta de valores além, por trás da dor e do psicológico. “O sentido da resiliência, então, é a busca de sentido da vida que se traduz em criatividade, aprendizado, superação, crescimento” (SILVEIRA, 2007, p. 105).

Se o sentido da vida, em última análise, só pode ser alcançado se o ser humano transcender a superfície da realidade, tal transcendência para a qual o sentido aponta, tem de ser também outra realidade. Eis um questionamento interessante, pois em alguns momentos, parece que tal sentido realmente só é atingido metafisicamente, só existe um único sentido e não se trata de um sentido qualquer, mas aquele que é extraído de uma situação específica.

Portanto, a reflexão de Frankl (1998, p. 58) segue seguinte linha: “sem determinados pressupostos socioeconômicos, sem certo grau de poder, não posso realizar o sentido da minha vida”. Ou seja, comumente as pessoas precisam de dinheiro para estudar, comprar livros, de pessoas para relacionar-se; esses não passam de meios necessários para a realização do sentido da vida, que é o fim. O problema é quando o homem não enxerga nenhum sentido, nenhum fim em sua vida, e canaliza suas forças para os meios: “dinheiro”, “riqueza”, “bem estar”, “amigos influentes” e “poder”, concentrando-se no efeito e na finalidade.

Como terapeuta, Frankl descobriu a religiosidade em estado latente no interior do sujeito, muitas vezes, só revelada por meio da análise dos sonhos, mesmo em pessoas não consideradas religiosas. Esta tendência inconsciente para Deus, Frankl chamou de estado inconsciente de relação com Deus ou “presença ignorada de Deus”.

O objetivo terapêutico de Frankl era tornar conscientes vários aspectos reprimidos – a religiosidade, por exemplo, que ocorre quando a relação com a transcendência está perturbada. Enfatiza que quando a fé, na escala individual, se atrofia, transforma-se em neurose e, na escala social, degenera em superstição.

O sentimento religioso natural foi reprimido por parte da razão absoluta e da tecnociência. Há que considerar em tal discussão que Frankl exclui do estudo logoterápico, qualquer comprometimento com confissão religiosa.

E, nessa linha de raciocínio aponta que inconscientemente, temos uma tendência ao aspecto religioso, mesmo para aqueles que se considerem irreligiosos. Uma vez que procede com este argumento, é aceitável pensar que a religião, independente de qualquer que seja a confissão religiosa, serve como motivação e sentido de vida para muitas pessoas, inclusive para muitos idosos. Acredita-se que o que os motiva em muitas situações, circunstâncias e em determinado período de suas vidas, é possível que seja a fé. Assim, recorre-se a 2ª Carta de São Paulo a Timóteo

Quanto a mim, a hora já chegou de eu ser sacrificado, e já é tempo de deixar esta vida. Fiz o melhor que pude na corrida, cheguei até o fim, conservei a fé. E agora está me esperando o prêmio da vitória, que é dado para quem vive uma vida correta, o prêmio que o Senhor, o justo Juiz, me dará naquele dia, e não somente a mim, mas a todos os que esperam, com amor, a sua vinda. Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. (2Tim. 4:6-8): A fé pode ser entendida como aquilo que incentiva as pessoas, que as motiva, que dá força mesmo na situação problema que continua; é acreditar em algo que transcende nosso mundo. Em tal acepção, é possível que a religiosidade contribua para o sentido da vida através da fé.


São Paulo destaca que “a fé vem da palavra e da escuta” (Carta aos Romanos 10,1). “A compreensão é a recompensa da fé. Portanto não procures compreender para crer, mas antes crê para compreender” (AGOSTINHO, 1997, p. 80). O intento agostiniano é para que se acredite que antes mesmo de ter visto, este verbo é muito importante e deve ser conjugado de modo especial. É o ato de acreditar que motiva muitos idosos a continuarem suas vidas em uma situação extrema.

Todo ser humano passa por momentos de extrema dificuldade em suas vidas, seja pela perda de um ente, por uma dificuldade financeira, no caso do idoso por sua debilidade física e psíquica, pelo abandono, daí destacar que a Logoterapia – para aqueles que se encontram no vazio existencial – seja algo para afinar a consciência, levando-os a descobrir em si mesmos o profundo significado da vida singular, única e irrepetível, “até nas circunstâncias mais trágicas e aparentemente desprovidas de valor”.

Ele propõe a superação do psicologismo na abordagem psicoterápica do paciente e a instauração da Logoterapia como forma de abordagem que leva à conscientização do espiritual – daí a diferença entre a Psicoterapia e a Logoterapia.

Faz-se importante levantar e discutir o problema do “vazio existencial”, como uma espécie de síndrome da qual é acometido o homem contemporâneo, condicionado por uma sociedade mecanicista e massificante que, associado a outros componentes do meio que o cerca, produz como efeitos: o conformismo, o totalitarismo e o neuroticismo “neurose noogênica”. E o autor chama a atenção para tal aspecto:

O homem não dispõe de um instinto que, como sucede aos animais, lhe dite o que tem que fazer, e hoje em dia já não há uma tradição que lhe diga o que deve fazer; em breve, também não saberá o que quer propriamente e terá que estar preparado, quanto antes, para fazer o que outros quiserem dele; por outras palavras: tornar-se-á um joguete nas mãos de chefes e sedutores autoritários e totalitários. (FRANKL, 1986, p.26)

O vazio existencial manifesta-se principalmente num estado de tédio, quando não se tem um ofício. O autor realça a necessidade de cultivar a liberdade, o caráter e o senso de responsabilidade como fatores integrantes da saúde psíquica, defendendo a tese de que nas exigências do “dever” e dos “valores” existe um fator terapêutico que não pode ser prescindido, quando se trata da busca do sentido da vida.

Em relação aos valores, Frankl (1986, p.82) destaca que existem três categorias específicas de valores, a saber: os valores criadores, os valores vivenciais – que se realizam na experiência vital – e os valores de atitude. “Há uma vasta série de valores fundamentais cuja realização se cifra no modo como o homem se insere numa limitação da sua vida”.

Ele atentará para a questão da existência humana no seu caráter de “missão”, que, por sua vez, tem um duplo caráter: “[...] a missão não muda apenas de homem para homem – em consonância com o caráter único de cada pessoa –; muda também de hora para hora, em decorrência do caráter irrepetível de cada situação” (FRANKL, 1986, p. 91).

A chamada “neurose noogênica” é uma neurose que se caracteriza pelo desespero frente à falta de sentido da própria vida, decorrendo da frustração existencial. “A consulta médica transformou-se num posto de escuta para todos os desesperados da vida, para todos os que duvidam do sentido da sua vida” (FRANKL, 1986, p. 28).

Não se pode esquecer que o sentido de vida é uma resposta do homem à vida e não uma interrogação à vida; não é o homem que faz perguntas à vida, mas é a vida que faz perguntas ao homem.

Mesmo a morte que pode ser vista como uma limitação temporal e externa, pode ser um acontecimento que não priva a vida de sentido, mas “antes lhe confere o seu caráter de sentido, assim também a limitação interior do homem não faz mais do que dar sentido à vida” (FRANKL, 1986, p. 114). Mais à frente destaca o sentido do sofrimento:

[...] o sofrimento, como a necessidade, o destino e a morte, faz parte da vida. Nenhum destes elementos se pode separar da vida sem se lho destruir o sentido. Privar a vida da necessidade e da morte, do destino e do sofrimento, seria como tirar-lhe a configuração, a forma. É que a vida só adquire forma e figura com as marteladas que o destino lhe dá quando o sofrimento a põe ao roubo. O sentido do destino que um homem sofre reside, portanto, em primeiro lugar, em ser pelo homem configurado – se possível; e em segundo lugar, em ser suportado – se necessário. (FRANKL, 1986, p.154-155)
Assim, ele considera que o homem pode estar doente, e não estar sofrendo no sentido estrito da palavra; portanto, há outro tipo de sofrimento que está para além de todo ser-doente: “o sofrimento pura e simplesmente humano, aquele que se insere na essência e sentido da própria vida humana” (FRANKL, 1986, p. 156).

Observa-se que as pessoas que conseguem enfrentar o envelhecimento com posturas positivas mesmo frente a situações mais difíceis (como perdas de pessoas queridas, perdas relacionadas à saúde física ou limitações próprias da velhice) continuando ativas, criando objetivos e cumprindo metas, ocupando-se de tarefas interessantes adequadas às suas condições reais, reforçam o sentido atribuído a suas vidas, como reforça Beauvoir:

A liberdade e a lucidez não servem para grande coisa, se nenhum objetivo nos solicita mais: elas têm um grande valor se ainda somos habitados por projetos. A maior sorte do velho, muito mais do que gozar de uma boa saúde, é sentir que, para ele, o mundo está ainda povoado de fins. Ativo, útil, escapa ao tédio e à decadência. O tempo que vive permanece o seu, e os comportamentos defensivos ou agressivos que caracterizam habitualmente a última idade não lhe são impostos. Sua velhice é, por assim dizer, passada em silêncio. Isso supõe que, na idade madura, ele se tenha engajado em projetos que desafiam o tempo: na nossa sociedade de exploração, esta possibilidade é recusada à imensa maioria dos homens. (BEAUVOIR, 1990, p. 603):
Ao considerar Beauvoir, lembremos de Freire e Resende (2001) que listam algumas estratégias sugeridas para otimizar o sentido de vida na velhice: revisão de vida; busca de atividades; dedicação a relacionamentos significativos; otimismo; sonhos a serem vividos; tarefas a serem realizadas; religiosidade e bem-estar espiritual; trabalho criativo nas artes e em outros domínios da experiência estética; relacionamento estável com significado; saber-se importante para alguém; autotranscendência na forma de servir a Deus e ao próximo; prazeres simples como admirar os pássaros e os campos floridos; rir como criança e com criança; esperança no futuro; lembrar que amanhã é um novo dia e que sempre há uma luz no fim do túnel. Uma das mais significativas sugestões de Frankl é o reconhecimento das memórias ricas de um passado que mantém vivo na memória o significado de uma existência.

O ser humano é responsável por sua própria vida. Então, vale questionar: como dar continuidade ao sentido da vida?

Se a vida não deixa jamais de ter sentido, ocorre que, pelo imediatismo inerente ao ser humano, habitua-se a descobrir o sentido apenas nas coisas boas, naquilo que não traz sofrimento, nas coisas fáceis e que não demandam nenhum grau de dificuldade. Porém, quando se depara com uma dificuldade qualquer, não se sabe, muitas vezes, trabalhar a mesma e observar o verdadeiro sentido de tal acontecimento: é preciso superar a crise e compreender que, mesmo nos problemas, é possível encontrar luz e continuar a vida.

Para Frankl (1989), o sentido é acessível em qualquer condição. A vida do ser humano permanece cheia de sentido até o último instante, até o suspiro final. Assim, torna-se necessário esclarecer uma questão: o sentido descoberto no sofrimento tem uma dimensão diversa daquela dos sentidos descobertos no trabalho e no amor.

O homem – considerado homo sapiens – é um ser dotado de inteligência, que possui conhecimentos necessários e sabe como obter sucesso; tem a sapiência de como ficar rico, de como passar a ser um homem de negócios, de ter sucesso no ganhar dinheiro ou no prazer; “move-se entre o extremo positivo do sucesso e seu contrário negativo do fracasso”. Perpendicularmente, está o homo patiens: “o homem que sofre, que sabe como sofrer, como transformar seus sofrimentos em uma conquista humana”. Seu eixo de movimento se estende entre os pólos de realização e do desespero. Aqui, entende-se por realização a realização de si, e por desespero, a falta de sentido para a própria vida.

Essas dimensões propostas por Frankl denota a compreensão de que, de um lado, encontram-se aqueles que apesar do sucesso, são levados ao desespero; e por outro, tem-se aqueles que, apesar do fracasso, chegaram a um senso de realização e até de felicidade, porque descobriram um sentido para o próprio sofrimento.

A condição da pessoa, o estado do ser humano, direciona a percepção de que determinados estados de bem estar não são percebidos porque o ser humano está envolvido com o momento da realização do objetivo, esquecendo-se das questões existentes à sua volta; similarmente, quando se está em uma crise ou em um momento de sofrimento, geralmente tal ocasião remete a um estado de reflexão sobre a vida, sobre a existência, os atos e as ações empreendidas.

Conforme os comentadores de Frankl, Moreira e Holanda (2010, p.347), na história da humanidade, o sofrimento sempre se fez presente, sendo decorrente de vários fatores: guerras, pobreza, pandemias, violência (no seu mais completo termo), desnutrição, etc. “O sofrimento é inerente ao ser humano. Inclusive ele traz sentido à vida em diferentes graus de intensidade ao longo da existência. E o desafio se constitui em decidir o que fazer diante dele”.

O sentido do sofrimento nem sempre é evidente e, quando evidenciado, é apenas num tempo tardio; portanto, restritivo. Os exemplos geralmente são extraídos da própria experiência, “donde se depreende que algum fato realmente doloroso em sua vida bem pode ter tido, a partir de uma visão mais tardia, um sentido que naquela ocasião não lhes era patente” (LUKAS, 1989, p. 198). O homem pode sofrer sem estar doente, e estar doente sem sofrer. O sofrimento é tão inerente ao ser humano que eventualmente o não-sofrer pode ser uma doença.

Moreira e Holanda (2010) apontam que, assim como o destino, o sofrimento também faz parte da nossa vida, ou seja, se a vida tem um sentido, o sofrimento também o tem. O padecimento, enquanto necessário, é uma possibilidade de algo pleno de sentido. O sofrimento desnecessário é sofrimento destituído de sentido; todavia, o sofrimento necessário significa sofrimento permeado de sentido.
Para a Logoterapia, nenhum sofrimento humano é comparável. O padecimento humano é único, singular e original, assim como o é cada indivíduo. “Falar das diferenças de grandeza do sofrimento seria por princípio sem sentido; uma diferença, porém, que realmente importa, é a diferença entre sofrimento com e sem sentido” (FRANKL, 1989, p. 105).

Na visão de Macieira (2001), quando o corpo humano adoece, não se necessita apenas de médicos para auxiliarem no alívio dos sintomas; é preciso também um reequilíbrio de novas formas de conhecimento despertas pelos sofrimentos.

A mesma autora reforça que em todo sofrimento há uma indução de sentido – nem sempre bem reconhecido. O sofrimento é uma resposta do corpo e do espírito e, às vezes, é até maior que a própria dor física.

Quando o corpo adoece, o sofrimento pode ser causado pelo diagnóstico, ou pela expectativa deste, por fracassos nos tratamentos, ou pela sensação de impotência, ou pelas tensões, angústias e medos sobre a evolução da doença. O sofrimento diminui o limiar de percepção de dor, mas quando é compreendido e aceito, aumenta-se este limiar (MACIEIRA, 2001, p. 49).
Embora a morte faça parte da vida, é esta perspectiva que dá um significado e ressignifica a própria vida.

Frankl analisa também a temporalidade e a mortalidade, ou seja, como a Logoterapia vê a transitoriedade da vida,

[...] afirma que isto só se aplica com relação às possibilidades de dar um sentido, às oportunidades de criar, de experienciar, de sofrer com sentido pleno. Quando as possibilidades se concretizam, elas não são mais transitórias – existem de certo modo, ou seja, como uma parte do passado.(FRANKL, 1989, p.95)
A vida do homem é transitória, tudo está em movimento, nada permanece o mesmo na dimensão dos seres vivos. Frankl (1989, p.99) reafirma tal questão ao destacar que “[...] tudo é transitório, uma criança, o amor do qual ela nasceu, uma ideia. A vida humana dura setenta anos, talvez oitenta, e se é uma boa vida, vale a pena vivê-la”. E continua:

Dia por dia a vida nos faz questões, somos interrogados ppela vida e devemos responder. A vida, gostaria de afirmar, é um período de perguntas e respostas que dura quanto durar a vida. Com relação às respostas, não me canso de dizer que podemos responder à vida apenas com o responder de nossas vidas. Responder à vida significa fazer-nos responsáveis por nossas vidas (FRANKL, 1989, p.100).
A transitoriedade apontada por Frankl (1989, p.101) indica que o ser humano é finito, que irá morrer, mesmo tendo sido formado em uma cultura onde não se discute abertamente sobre a morte – na morte também existe a presença de um sentido, de um significado. Ele recorre à analogia da ampulheta: “o que acontece quando toda a areia escorreu pela passagem e a parte superior está vazia, quando o tempo passou para nós, e nossa vida está completa e terminada? Em uma palavra, o que acontece na morte?”

Na perspectiva frankliana (1989, p. 101) a morte é vista como se tudo o que passou congelasse no passado. Nada mais se modificará. Nada mais está à disposição da pessoa, nem mente, nem corpo, ela perdeu seu ego psicológico. “O que lhe resta é o self, o eu espiritual”.

Tentar compreender o sentido da morte, ou seja, perceber que mesmo na morte há um sentido, sendo um aspecto quase transcendente, porque o ser humano não está acostumado a dialogar sobre tal tema. Cotidianamente, o homem tem tendência a interpretar e a entender mal o sentido da morte. Assim, vale analisar o pensamento de Frankl (1989, p.102):

Quando o despertador toca de manhã e nos tira de nossos sonhos, sentimos tal fato como se algo de terrível estivesse acontecendo no mundo de nossos sonhos. E ainda presos em nossos sonhos, às vezes não percebemos (ou pelo menos não de imediato) que o despertador nos chama para a existência real, nossa existência no mundo real. Mas nós mortais não agimos de maneira semelhante, quando nos aproximamos da morte! Não esquecemos que a morte nos desperta para nossa verdadeira realidade! (FRANKL, 1989, p. 102).

Em um ou outro momento, o ser humano realmente desperta quando está frente a uma situação muito séria, ou como o próprio Frankl (1989) apontou, a morte nos desperta para a realidade que está a nossa volta. Envolvido no sistema capitalista há algum tempo, não é tarefa fácil ao homem perceber o que se passa à volta, porque as pessoas vivem quase que anestesiadas por uma realidade virtual que, muitas vezes, existe apenas no imaginário, e a verdadeira realidade está bem a nossa frente – não se faz questão de percebê-la. Chama a atenção a atitude da maioria das pessoas que diante da morte ou doença grave têm uma espécie de remissão, um despertar.


É preciso atribuir novos significados, conforme recorda Irene Gaeta Arcuri (2004, p. 8), em sua obra Memória Corporal: simbolismo do corpo na trajetória da vida, no qual trata da atribuição de novos significados às experiências vividas, frustradas ou apenas sonhadas, o que permite que as experiências dolorosas e suas cicatrizes sejam integradas numa consciência ampliada. A mesma autora trata da possibilidade sempre presente e acessível por meio das memórias marcadas no nosso corpo, de contato com os mitos profundos, que nos ajudam a viver a dimensão do eterno na temporalidade, do infinito no cotidiano, possibilidade que se intensifica pela consciência da finitude.

Arcuri (2004, p. 9) continua mencionando “a possibilidade de experiências de aprendizagem significativas” e a “expansão da consciência”, onde o viver se torna muito mais do que sobreviver a si mesmo. A obra dessa autora oferece um caminho de relacionamento com a profundidade do ser humano – “suas memórias, desejos e conhecimentos”.

Na velhice, como em qualquer outra fase da vida humana, há sempre a vontade de viver, porque aí também ocorre a continuidade do sentido da vida. É preciso sempre encontrar forças sejam elas físicas ou espirituais para superar os problemas que se apresentam.

Na Carta aos Coríntios, São Paulo Apóstolo relata: “mas Ele me disse: basta-te minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente minha força” (2 Cor 12,9). Certamente, todo indivíduo já se sentiu fraco, abandonado, angustiado e sem a presença da esperança. Naturalmente, tal sensação faz parte do “espírito humano”.

A fé é extremamente importante; Deus realmente supre as necessidades do ser humano, mas Deus não faz pelo homem aquilo que o homem deve fazer por si mesmo. A vontade humana é despertada e deve corresponder com as coisas que se deve buscar; é preciso madrugar, pagar um preço, descobrir o caminho.

As condições desfavoráveis não são limitadoras para que uma pessoa consiga transgredir de um estado para outro, para uma mudança de vida ou a superação de uma situação desfavorável. Tal vontade é reforçada quando a pessoa idosa tem vontade de viver, quando recorda as suas lembranças, as suas histórias, as suas vivências.

É importante no ser humano a força de vontade que motiva o ato de acreditar. E esse acreditar está diretamente relacionado ao sentido da vida.

Em ultima análise, viver não significa outra coisa se não arcar com a responsabilidade de responder adequadamente às perguntas da vida, pelo cumprimento das tarefas colocadas pela vida a cada indivíduo, pelo cumprimento da exigência do momento (FRANKL, 2010, p. 102).
Conforme Lukas, (1990, p. 173) a capacidade de uma pessoa em superar o sofrimento, depende da intensidade de sua realização interna de sentido. Quem basicamente acredita num sentido na sua vida, também é capaz de suportar um grande sofrimento, porque sua vida, permeada de sofrimento, não perde seu sentido, apesar de ter seu prazer reduzido .

Assim, as teorias até aqui apresentadas de Viktor Frankl, seus comentadores e demais estudiosos, são são importantes para a compreensão dos conceitos logoterápicos e, conforme proposto anteriormente, os referencias teóricos desse estudo, além de definirem a questão existencial, também a exemplificam com suas condições mais trágicas, tornando-se elemento que reforça a teoria existencial e a questão do sentido da vida independente de pessoa ou da situação que se encontre.

Ressaltou-se com base na teoria existencial de Frankl, que o desejo e a esperança que habita o ser humano frente a sua incompletude leva-o a buscar ou mesmo encontrar o sentido da vida. A incompletude característica do ser humano é quem move a necessidade da busca e continuidade do sentido da vida da pessoa idosa para sua complementação.

Nesse sentido, a teoria frankliana é de grande importância para se compreender a continuidade do sentido da vida, conforme os três princípios apontados na teoria do autor, a busca por sentido na velhice faz com que o idoso tenha alguém para amar, que continue com um ofício mesmo tendo idade avançada, uma ocupação, nem que seja com os amigos para distrair-se, e que consiga perceber, mesmo no sofrimento, o sentido para a vida. Daí tem-se o método da “teoria existencial” chamado logoterapia, a cura através do sentido.

Em suma, na velhice os idosos tem elementos que dão significado a suas vidas, não é o fato de encontrar-se em uma situação difícil que acaba-se tudo, ou porque é uma pessoa com idade avançada que não tem mais sentido em continuar vivendo, em cada fase de nossas vidas os elementos que dão sentido a vida muda de um período para o outro, na infância, adolescência, juventude, fase adulta e também na velhice os valores e elementos que motivam a continuidade do sentido da vida são outros.

Com base no estudo constatou-se que uma situação limitadora, seja em um leito hospitalar, com base em uma perda, uma crise financeira ou psicológica, é possível os idosos darem continuidade a suas vidas superando o referido estágio e encarando a vida como ela é. Vale destacar que nem todos conseguem isso, mas o estudo objetivou apontar exatamente este ponto, é possível ter sentido na vida mesmo na condição mais extrema que possamos nos encontrar.

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Nota de Rodapé
1 A ideia de bem na acepção aristotélica significa ter em vista um fim, um objetivo, um sentido.
Referências
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